Se, ao anunciar a busca de uma segunda matriz, a Amazon quis com isso jogar uma cidade contra a outra e assim gerar milhões de dólares em publicidade gratuita, funcionou. Muitos observadores acreditam que a Amazon já saiba há muito tempo onde quer se instalar ─ ou, pelo menos, jamais considerou seriamente mais de dois ou três locais específicos ─, uma vez que não há mais do que algumas poucas cidades que se encaixam nos critérios exigidos.
A Amazon é grande, e a recompensa para a cidade vencedora pode mudar sua vida. No entanto, ao pesquisar uma localidade para sua segunda matriz norte-americana, o que importa para a Amazon são muitas das mesmas coisas importantes para várias outras empresas.
“Para a maior parte das empresas, a questão da localização hoje em dia tem a ver com a disponibilidade de mão de obra: conseguiremos atrair os colarinhos brancos de que precisamos?”, indaga Peter Cappelli, professor de administração da Wharton e diretor do Centro de Recursos Humanos da instituição. “No caso das funções que não requerem especialização e das que exigem pouca especialização, será possível contratar profissionais pelo preço que desejamos pagar? Nenhuma empresa vai para o Vale do Silício ou para Nova York porque o custo é mais em conta; elas vão para lugares assim por causa da oferta de mão de obra.”
“Tudo se resume ao acesso aos clientes, à força de trabalho e aos fornecedores ─ todos eles têm um papel a desempenhar nessas decisões”, diz Christopher Thornberg, sócio-fundador da empresa de pesquisa econômica Beacon Economics, de Los Angeles. Com isso, a Amazon busca uma força de trabalho que seja jovem e instruída ─ o que significa, geralmente, que ela quer recrutar millennials. De acordo com os prognósticos, é modesto o crescimento da população na faixa dos 25 aos 44 anos no Nordeste dos EUA, uma vez que eles preferem lugares como o Colorado, Oregon, estado de Washington, Califórnia e Flórida, diz Thornberg, “portanto, o local para onde sua provável força de trabalho está se mudando, e os seus desejos ─ terão um papel a desempenhar”.
Mas, o que querem os millennials? “Tudo”, diz Fernando V. Ferreira, professor de bens imóveis, economia empresarial e políticas públicas da Wharton. “Eles querem uma cidade com todas as amenidades culturais ─ teatros, museus, feiras, shows, música ao vivo, todas as formas de entretenimento. Não querem ir parar no meio de lugar algum; não gostam dos bairros de condomínio de classe média e nem de outros condomínios mais distantes ainda. Eles querem um local onde haja uma porção de bares e restaurantes onde possam se divertir e trabalhar. E o que eles querem, e que para eles é muito importante, é gente como eles mesmos. Trabalhadores altamente especializados querem morar perto uns dos outros. As empresas sabem disso e dão muita atenção a esse detalhe, por isso as cidades que apresentam essas características têm uma enorme vantagem. O lugar com maior índice de pessoas instruídas, com gente de nível universitário é, de longe, o Nordeste dos EUA. A concentração mais elevada desses indivíduos está no corredor percorrido pelo Acela Express (trem de alta velocidade).”
A busca que sai pela “tangente”
Nem todas as buscas acontecem pelos melhores razões, diz Cappelli, lembrando que “a mudança da matriz da Scott Paper da Filadélfia para Boca Raton só se concretizou porque era ali que morava Al Dunlap, novo CEO da empresa.”
As razões da Amazon, porém, são convincentes. A empresa cresceu mais do que o espaço de que dispunha em Seattle. Ferreira ressalta que embora a Amazon tenha preferido se expandir ali, o ciclo de desenvolvimento na Costa Oeste, de San Diego a Seattle, é tão avançado, e as restrições de zoneamento e as regulações tão onerosas, que os preços dispararam, “e com isso a viabilidade financeira da operação se tornou um problema. Por isso é altamente improvável que a empresa escolha uma localização na Costa Oeste”.
Algumas empresas podem precisar de uma segunda localização para ficar próximas dos clientes, mas não é o caso da Amazon, observa David Reibstein. Diante da “questão: qual o número de profissionais de alto nível ainda disponíveis na região de Seattle […] por que não levar em conta outras cidades? Muitas empresas, como o Google, fizeram isso.”
Elas se abriram. Nenhuma busca por um local para a instalação da matriz de uma empresa, de memória recente, acenou com um prêmio maior do que esse. Nem a Amazon fez segredo algum do fato de que parte desse exercício tem como objetivo conseguir o maior volume possível de isenções fiscais e outros incentivos da cidade vencedora. “A empresa poderá escolher uma ou mais propostas e negociar com as partes que as apresentaram antes de decidir quem será o vencedor”, conforme exigência da empresa para as propostas apresentadas, “ou então ela poderá se abster de escolher uma ou outra proposta e não fechar acordo algum”.
Segundo os termos da proposta, ao considerar as opções de locais e imóveis, a Amazon prefere as áreas metropolitanas com mais de um milhão de pessoas, um “ambiente estável e amigável”, na cidade ou num bairro afastado com potencial para atrair e reter profissionais de alto gabarito técnico, comunidades que pensam “com ousadia e criativamente”.
Contudo, funcionários que sejam excelentes profissionais ─ bem como a existência de uma reserva de talentos na região ─ são de importância fundamental para a Amazon. A proposta não apenas requer que se apresente uma lista de universidades e de community colleges com seus respectivos cursos, mas também o número de estudantes que se formaram nesses cursos nos últimos três anos, além de “informações sobre os programas das escolas locais de ensino fundamental e médio com ênfase em ciências da computação”.
Cappelli diz que embora a Amazon tivesse apenas algumas cidades em mente antes de começar seu processo de busca, esse formato de loteria é, em parte, vantajoso, porque a empresa aprenderá coisas no processo sobre questões com que terá de lidar nos locais que já fazem parte da sua lista resumida.
“Os governos locais e estaduais têm grande poder de influência nessas decisões? É claro que os cortes de impostos são importantes, mas acho que mais importante ainda é dar às empresas a sensação de que o governo vai procurar realmente ajudar, em vez de atrapalhar”, diz Cappelli. “Parte disso tem a ver atualmente com a preparação dos funcionários. É importante também ajudar as novas empresas a navegar pelas questões de infraestrutura, como transportes etc. É bem verdade que, para as empresas, os governos locais aparecem na etapa final do processo e seriam uma espécie de fornecedor, mas isso não as exime de sair pela tangente, fingindo que têm mais opções do que na verdade podem identificar, jogando umas contra as outras para tirar daí quaisquer acordos possíveis para sua instalação no local onde pretendem se fixar de qualquer maneira.”
Com relação à estratégia subjetiva abastecida por dados, a Moody’s Analytics classificou no mesmo patamar elevado da disputa Austin, Atlanta, Filadélfia e Pittsburgh em uma análise cujo objetivo era identificar onde a Amazon deveria instalar sua segunda matriz. Os critérios considerados foram o ambiente comercial, o capital humano, o custo de vida, a qualidade de vida, transporte e geografia. Austin apareceu no topo ─ mas se levarmos em conta o critério da geografia, a Filadélfia subiria para o primeiro posto. “Entre as 10 mais, seria difícil deixar a decisão por conta dos dados apenas, já que algumas regiões metropolitanas tiveram pontuação bem próxima, e se mudarmos o peso das variáveis, outras cidades chegarão ao topo”, disseram os analistas. “A determinação da melhor localização requer que se analise a disponibilidade de um local específico, bem como aquilo as regiões metropolitanas estão dispostas a oferecer.”
Uma missão quixotesca
Para alguns, os desafios enfrentados pelas cidades mostram o tipo de distorções que podem ocorrer quando as apostas são altas. “Estou perplexo com tudo isso”, diz Thornberg. “Todo político que aí está quer ser o sujeito que convencerá a Amazon, e para os políticos essa é uma operação de baixo custo, porque eles simplesmente dizem a alguém que se encarregue desse trabalho. Mas o pessoal do desenvolvimento econômico é que será enviado na missão quixotesca de operacionalizar essa candidatura, e eles sabem que as chances de sucesso são nulas. Para mim, trata-se de uma espécie desnecessária de distração do trabalho diário que executam.”
Centenas estão tentando. A Amazon recebeu 238 propostas até o prazo final de 19 de outubro de grandes cidades como Boston, Chicago e Atlanta; de cidades de menor porte, como Austin e Portland; de cidades mais agitadas, de público nouveau hip, como Detroit e a pré-hip Camden, em New Jersey (onde o slogan é “Venha experimentar o renascimento!”); há lances regionais como os oriundos da região central de Indiana ou de um conjunto de três cidades do Missouri; e os esperançosos do Nordeste apostando na proximidade dos corredores do poder, como a Filadélfia, Baltimore e Washington, D.C. (onde o fundador e CEO da Amazon, Jeff Bezos, tem uma casa, para não falar do Washington Post). Espera-se a decisão da empresa em algum momento de 2018.
Além disso, diz Thornberg, “os governos não deveriam ter poder de escolha ─ ‘Darei subsídios para esta empresa e para mais ninguém.’ Não me parece que essa seja uma boa alternativa. É uma influência que corrompe”, diz ele. Thornberg é a favor de uma lei federal que proíbe cidades, países e estados de conceder regalias especiais a instituições.
Até escolas entraram em cena. Estudantes da Wharton criaram propostas fictícias para a Amazon defendendo a candidatura da Filadélfia. As ideias foram apresentadas no início do mês como parte de uma competição que teve como jurados os professores da instituição. Entre as propostas apresentadas: a Amazon deverá ter uma parceria com a Comcast, sediada na Filadélfia, de modo que as capacidades analíticas da Amazon trabalhem em conjunto com a LoRa (acrônimo em inglês para rede de área ampla de longo alcance), tecnologia sem fio para “cidades inteligentes” que a Comcast já opera e que monitora e responde a situações diversas como tráfego lento, medição de serviços públicos, identificação de buracos a serem tampados ou o desaparecimento de uma criança.
Outras equipes chamaram a atenção para o grande influxo de bons profissionais que se mudam para a Filadélfia devido à concentração de excelentes faculdades e universidades na região; outra equipe atrelou o valor dos incentivos econômicos já existentes e um total final de US$ 15 bilhões. “Quinze bilhões de dólares é muita coisa”, disse Kenyatta Johnson, vereador da Filadélfia, ao The Philadelphia Inquirer. “A longo prazo, porém, valeria a pena.”
Outro grupo da Wharton propôs a criação de uma espécie de “curadoria” especialmente para a Amazon: haveria um “diretor de felicidade” no governo municipal para garantir o pleno acesso da empresa a todas as suas necessidades.
A competição foi apenas um exercício, porém chegou aos ouvidos de gente bem posicionada no momento em que a Filadélfia dava os últimos retoques ao seu lance real. Estavam presentes no momento em que as propostas foram abertas funcionários da área de desenvolvimento econômico, bem como o prefeito da cidade, Jim Kenney. “Embora os funcionários municipais tivessem ouvido coisas que confirmavam suas próprias análises, também ouviram novas ideias que levariam em conta na hora de preparar a minuta final”, disse Lori Rosenkopf, professor de administração da Wharton, vice-reitor e diretor da divisão de graduação da escola que, juntamente com Howard Kaufold, vice-reitor de MBA da Wharton, patrocinou a competição do caso a favor da Filadélfia bem como a elaboração de uma competição de ensaios.
O prêmio é considerado grande. O prefeito de Toronto, John Tory, chamou a procura da Amazon por um local para sua segunda matriz de “Olimpíadas do lance” ─ “É uma coisa gigantesca”, disse ele ao The Toronto Star. A Amazon diz que contratará 50.000 novos funcionários em tempo integral com salários médios anuais superiores a US$ 100.000 no decorrer dos próximos 10 a 15 anos a partir do início das operações. O projeto ─ que pode chegar no fim das contas a aproximadamente 750.000 m2 ─ deverá ter uma despesa de capital de mais de US$ 5 bilhões. Os investimentos da Amazon em Seattle, de 2010 a 2016, aportaram US$ 38 bilhões a mais à economia da cidade, segundo estimativas da empresa.
“A cidade em que a Amazon se instalar terá muito a ganhar”, diz Ferreira. A presença de uma nova matriz da Amazon, seja onde for, “atrairá mais empresas, e o ambiente empresarial se expandirá. O crescimento econômico de modo geral se beneficiará disso”.
Contudo, seja onde for que a Amazon instale sua segunda matriz, e não importa do que as cidades abram mão para receber a empresa, não parece que esse cenário específico venha a se repetir em breve. “Processos assim acontecem há muito tempo. Não há nada de novo nisso ─ as empresas decidem abrir uma nova fábrica, e as cidades e países entram na disputa”, diz Ferreira. “Normalmente, porém, a coisa não ganha tanta publicidade. A empresa faz contato com a câmara de comércio, anuncia em diferentes cidades e depois as cidades vão atrás da fábrica. É isso. Mas este caso da Amazon é uma coisa gigantesca, porque a empresa é gigantesca.”
“Não há muitas empresas que tenham crescido tanto e que tenham o nome que a Amazon e que sejam capazes de criar tanta agitação”, diz Thornberg. “Quem mais conseguiria isso? Talvez a Microsoft, o Google ou a Apple. Se a Boeing fizesse o que a Amazon está fazendo, as pessoas diriam se tratar de um evento colossal, mas não acho que elas ficariam assim tão empolgadas.”