As operações de carry trade são uma estratégia de negócios muito comuns ─ isto é, o operador toma emprestado na moeda de um país com taxa de juros baixa e usa os recursos financeiros obtidos para investir na moeda de outro país a taxas de juros mais altas, lucrando com a diferença. Por exemplo, um carry trade muito procurado consiste em contratar fundos financeiros na moeda japonesa (yen) e investir no dólar australiano.
A pesquisa Commodity Trade and the Carry Trade: A Tale of Two Countries [Operações de commodities e de carry trade: um conto de dois países] analisa o fenômeno em que exportadores de commodities como a Austrália e a Nova Zelândia tendem a ter taxas de juros mais altas em comparação com importadores de produtos básicos como o Japão e a Suíça, que também exportam produtos acabados.
Nikolai Roussanov, professor da Wharton, falou recentemente a Universia Knowledge@Wharton sobre as descobertas da pesquisa, inclusive porque ele acredita que os gestores de ativos que trabalham com commodities e operações de carry trade podem estar incorrendo em riscos exagerados. Roussanov é coautor do estudo em parceria com Robert Ready, professor assistente de finanças da Universidade de Rochester, e Colin Ward, professor assistente de finanças da Universidade de Minnesota. A pesquisa recebeu em 2016 o prêmio de melhor estudo concedido pelo Jacobs Levy Equity Management Center.
Segue abaixo a versão editada da entrevista.
Knowledge@Wharton: Fale sobre a sua pesquisa.
Nikolai Roussanov: Trabalho na área de finanças internacionais, no segmento de fixação de preços de ativos, cujo objetivo é tentar compreender os fatores determinantes dos preços dos valores mobiliários nos mercados financeiros internacionais. Isso inclui taxas de câmbio ─ determinação dos preços das moedas ─, bem como taxas de juros e outras variáveis financeiras importantes.
Uma das questões mais intrigantes nessa área de pesquisa diz respeito ao que se conhece como estratégia de carry trade nos mercados internacionais de finanças ou mercados de moedas. Trata-se basicamente do seguinte: se você investir na moeda de um país com taxa de câmbio elevada, ou de moeda de alto rendimento, e financiar esse investimento através de um empréstimo contratado em uma moeda que opera com taxas de juros baixas, em média, você sai ganhando. Seu retorno será positivo, embora não esteja isento de riscos. Você estará exposto ao risco em virtude das flutuações da moeda. Na média, porém, as flutuações não neutralizam a diferença nas taxas de juros. Esse procedimento é conhecido como estratégia de carry trade porque carrega [carry] consigo o diferencial da taxa de juros. É um fato bem conhecido, e muita gente trabalhou nisso, inclusive eu mesmo.
Nossa pesquisa procura analisar os fatores determinantes dessa estratégia e sua rentabilidade. Fazemos isso avaliando países específicos ou as moedas envolvidas. Uma estratégia típica de carry trade ocorre, por exemplo, com o dólar australiano, ou neozelandês, que são moedas que operam normalmente com taxas de juros elevadas, e com o yen japonês ou o franco suíço em contratos futuros de vendas ─ tomando-se empréstimos em países cujas taxas de juros são historicamente muito baixas. De certa forma, podemos também incluir atualmente nesse segmento a zona do euro.
Agora, o que diferencia basicamente esses países é o fato de que têm estruturas muito diferentes de produção e de comércio internacional, isto é, de importações e exportações. A Austrália e a Nova Zelândia são sobretudo exportadores de commodities básicas como minério de ferro ou gás natural, ao passo que países de taxas de juros historicamente baixas, como a Suíça ou o Japão, são, via de regra, exportadores de bens manufaturados sofisticados. Quando pensamos no Japão, pensamos em carros; no caso da Suíça, nos vêm à mente relógios ou produtos farmacêuticos. De modo geral, esses países importam o grosso de suas commodities.
Fizemos então a seguinte pergunta: a diferença nos fundamentos das economias dos países ajuda a explicar a diferença histórica de suas taxas de juros? Além disso, esse diferencial na taxa de juros está associado ao que poderíamos chamar de prêmio de risco, isto é, uma remuneração pelo risco próprio do retorno médio obtido pelo investidor que se expôs a ele.
O que descobrimos, tanto na teoria quanto na prática, é que há uma razão para pensar que essas moedas-commodities ─ moedas de países com altas taxas de juros ─ seriam mais arriscadas para quem investe nos mercados financeiros globais do que as moedas de uma commodity de países importadores e exportadores de bens manufaturados, como o Japão e a Suíça. Basicamente, a ideia é bastante clara, porque sabemos que as moedas dos países de commodities mudam de acordo com os preços das commodities que esses países exportam. É por isso que tantas vezes são chamados de moedas-commodities. Não é de surpreender que o dólar australiano ou neozelandês suba quando os preços das commodities sobrem, e abaixam quando estes diminuem.
Se pensarmos na economia e no ciclo econômico globais, os preços das commodities subirão no mundo inteiro em tempos de expansão mundial, conforme se viu em princípios dos anos 2000. Por outro lado, eles caem drasticamente durante as crises econômicas mundiais, conforme vimos durante a Grande Recessão e a crise financeira mundial. Isso tornaria essas moedas particularmente arriscadas.
Vimos também que as moedas de produtores de bens sofisticados, como Japão ou Suíça, na verdade, se valorizam em épocas de recessão. Elas funcionam como proteção contra as más condições da economia mundial. Isso significa que não é de espantar que se espere um prêmio de risco a ser concedido aos investidores que desejam correr o risco de investir em moedas de commodities cíclicas, tais como as da Austrália e da Nova Zelândia, em oposição ao tipo de seguro ou porto seguro que oferecem moedas como, por exemplo, a do Japão ou da Suíça. Essa é, resumidamente, nossa explicação para a razão pela qual identificamos esse prêmio de risco historicamente observável em operações de carry trade ou a rentabilidade do setor quando analisamos países desse tipo.
Knowledge@Wharton: Quais seriam algumas implicações práticas das suas descobertas?
Roussanov: As principais implicações para a prática da gestão de ativos ou macroinvestimentos globais consistem em reconhecer que as estratégias de negociações nos mercados de câmbio e de moedas se acham muito mais intimamente entrelaçadas com os investimentos em outras classes de ativos, especialmente commodities, do que normalmente se imagina. Não está profundamente incutido na filosofia de muitos gestores de investimentos integrar as classes de ativos, em vez de tratá-los isoladamente. Nossa pesquisa mostrou que quando falamos sobre esse tipo de macroestratégias de investimentos em moedas no mundo, temos de entender que explorar, por exemplo, o carry trade, trará consigo uma exposição ao ciclo global e, em particular, ao ciclo de preços das commodities.
As commodities se tornaram uma classe muito procurada de ativos no decorrer da última década, e há muita gente interessada em investir nelas. Contudo, um portfólio que esteja explorando o carry trade, por um lado, e que esteja também tentando uma exposição às commodities, por outro, poderá vir a ficar exposto exageradamente ao risco em ambos os casos em razão das diferentes classes de ativos e de estratégias. É preciso cuidado para não investir além da conta nesse tipo de risco que envolve commodities globais.
Knowledge@Wharton: O que diferencia sua pesquisa de outras nessa área?
Roussanov: Há várias maneiras pelas quais nossa pesquisa se distingue do que já foi feito. Creio que somos os primeiros, se não, certamente estamos entre eles, a reconhecer que quando classificamos os países nos mercados financeiros globais, temos de reconhecer que eles são bastante diferentes. A maior parte das pesquisas já feitas na tentativa de entender o prêmio de risco nos mercados financeiros, ou o comportamento das taxas de juros em âmbito mundial, geralmente analisa dois países que são idênticos por questões práticas, exceto pelo fato de que são atingidos por diferentes choques em épocas distintas.
É preciso reconhecer que os países são fundamentalmente distintos em suas dotações e na dotação de recursos naturais, além do capital humano e diferenças tecnológicas persistentes e que não mudam necessariamente de ano para ano.
Reconhecer essas diferenças pode levar o indivíduo a ter novos insights sobre o comportamento a longo prazo desses países e a exposição ao risco de suas moedas etc.
Knowledge@Wharton: Qual o próximo passo na sequência dessa pesquisa?
Roussanov: Continuo a pesquisar nessa área em diferentes direções. Uma delas consiste em compreender o papel, para o setor de transporte marítimo, das flutuações econômicas globais entre países e como as fricções desse setor afetam o comércio entre os países, as taxas de câmbio das operações e os preços relativos dos bens em diferentes países. Também estou trabalhando mais em mercados específicos de commodities, não necessariamente em conexão direta com a taxa de câmbio, mas procurando entender melhor a relação dos preços das commodities sob a perspectiva da macroeconomia.
Fiz um estudo recente juntamente com Rob Ready e Eric Gilje, que é meu colega aqui na Wharton, a respeito do papel do petróleo de xisto e a recente revolução que está provocando nos EUA no decorrer dos últimos anos.
Isso não tem implicações internacionais diretas, embora tenha ligação com a pesquisa anterior porque, no decorrer dos anos, os EUA deixaram de ser um importador líquido de commodities e se tornaram um exportador líquido, simplesmente porque estamos importando muito menos petróleo e muito menos gás natural graças ao boom do xisto de petróleo. Estamos começando agora a exportar gás natural e até petróleo, e isso poderá mudar as propriedades da economia americana também do ponto de vista macroeconômico internacional.